Tzimtzum – O Mistério da Restrição: A Origem da Criação segundo a Kabbalah
- kabbalahSuldoBrasil
- 24 de jun.
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Tzimtzum
Introdução
Entre os muitos mistérios abordados pela Kabbalah, talvez nenhum seja tão essencial quanto o conceito de Tzimtzum (צמצום) – a Restrição. Este princípio descreve a primeira ação do Infinito (Ein Sof) para tornar possível a existência da criação. Longe de ser apenas um conceito metafísico, o Tzimtzum é também a chave para compreender o funcionamento interno da alma humana, seus desejos e seu caminho espiritual.
O Infinito e o Desejo de Compartilhar
A Kabbalah nos ensina que a realidade primordial é Ein Sof (אין סוף), o Infinito – uma Luz sem limites, absoluta, perfeita e totalmente benevolente. O propósito desta Luz era compartilhar seu bem com uma criatura capaz de recebê-la. Mas como a Luz é pura doação, ela necessitava de um receptor. Assim, surge o plano da criação.
O ser criado principal é chamado de Nivrá (נברא) – o “criado” – cuja essência é o desejo de receber prazer. Este desejo é exatamente o oposto da Luz, que deseja apenas doar. Essa oposição gera o primeiro dilema da Criação.
O Primeiro Ato: A Restrição da Luz
Para que a criatura tivesse autonomia e não recebesse de forma passiva (como um mendigo diante de um banquete), ocorreu o Tzimtzum – um ato de autolimitação da Luz. O Criador "recolheu" Sua Luz Infinita de uma determinada “área” espiritual, abrindo espaço para a existência de um ser independente, com livre-arbítrio.
Esse espaço é chamado de “Makom Chalal” – o espaço vazio, ou mais precisamente, o espaço onde a Luz foi restringida. Esse não é um espaço físico, mas um conceito espiritual: um estado onde a Luz não se revela de forma direta, permitindo a individualidade do ser criado.
O Propósito da Restrição: Semelhança com o Criador
O objetivo do Tzimtzum não é afastar-se da criatura, mas possibilitar o processo de semelhança entre criatura e Criador. Ao ocultar-Se, o Criador nos convida a buscá-Lo. E ao buscá-Lo, aprendemos a nos tornar como Ele: doadores, amorosos, sábios.
Esse processo é chamado de correção do desejo de receber, ou Tikun HaRatzon. A criatura deve transformar seu desejo egoísta de receber apenas para si, em um desejo de receber para doar – ou seja, um desejo de se deleitar na Luz com a intenção de alegrar o Doador.
A Relevância Espiritual no Cotidiano
Na prática, o Tzimtzum se manifesta em nossa experiência humana através do sentimento de vazio, afastamento espiritual ou solidão interior. Quando não sentimos o Criador, é porque estamos vivendo dentro do espaço “restrito”. Mas isso não é punição, é oportunidade: somente na ausência podemos escolher.
Cada desafio, cada silêncio interior, cada vazio, é uma chance de aplicar o princípio do Tzimtzum: conter nossos impulsos egoístas e escolher a intenção correta. Assim, tornamo-nos criadores de nós mesmos.
Tzimtzum como Tecnologia Espiritual
Baal HaSulam explica que toda a sabedoria da Kabbalah gira em torno do sistema que emerge após o Tzimtzum, chamado de Mundo dos Mundos, Partzufim e Sefirot – um sistema ordenado que nos permite subir, degrau por degrau, até a completa adesão com o Criador (Dvekut).
Cada etapa do nosso desenvolvimento espiritual é uma correção de uma parte do desejo original de receber, até que possamos voltar a receber toda a Luz do Ein Sof, mas agora com a intenção de doar – que é a condição de perfeição.
Conclusão
Tzimtzum é mais do que um conceito cosmológico. É a matriz da liberdade. Ao restringir Sua Luz, o Criador nos oferece espaço para sermos cocriadores, para escolhermos o caminho do amor, da doação e da transformação interior. Ao compreendermos e internalizarmos o Tzimtzum, passamos a ver nossas sombras não como falhas, mas como convites sagrados à semelhança com a Luz.
Sônia Scheuerlein
Maravilhoso mestra, você escreve de uma forma maravilhosa, gratidão por compartilhar conosco. 🙏🏼