Shavuot, a festividade da outorga da Torá
- kabbalahSuldoBrasil
- 2 de jun.
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Shavuot, a festividade da outorga da Torá
Shavuot, a festividade da outorga da Torá, não é apenas uma comemoração histórica do evento no Monte Sinai. Na Kabbalah autêntica, especialmente no nível de Sod (segredo), Shavuot representa a revelação mais elevada possível ao desejo de receber — Malchut — por meio da conexão com a Luz de Biná. Este artigo visa aprofundar essa visão segundo os ensinamentos de Baal HaSulam, Rabash, o Ari (Isaac Luria) e os escritos do Zohar, com foco na dinâmica espiritual entre as sefirot, a preparação da vasilha e o papel da alma coletiva de Israel.
1. A Revelação da Torá como Zivug de Malchut e Biná
A Torá, no nível mais elevado, é a Luz de Chochmah (Sabedoria) que desce de Atzilut para ser vestida nas vestes de Biná. A outorga da Torá em Shavuot representa o momento cósmico em que Malchut, totalmente corrigida em sua forma de anulação e desejo por equivalência de forma, pode receber essa Luz por meio de Biná. Isso é descrito nos textos do Ari como um Zivug Elyon — um acoplamento superior — entre Zeir Anpin (o Doador) e Malchut (a Vasilha).
No Sod, esse acoplamento é possível porque Malchut se elevou a Biná — fenômeno conhecido como Elevação de Malchut a Biná — um dos principais mecanismos de correção da criação. Shavuot marca exatamente o momento em que a criação atinge a possibilidade de receber Luz sem quebrar a vasilha, ou seja, sem egoísmo.( No nível mais interno da realidade, a Criação é estruturada como um sistema de vasos (kelim) que devem conter a Luz do Criador. O vaso representa o desejo de receber e a luz representa o que preenche esse desejo: a doação do Criador.
No processo de revelação da Criação, houve um momento em que a Luz foi transmitida aos vasos — mas alguns vasos não estavam aptos a receber a Luz com a intenção de doar, ou seja, com equivalência de forma com o Criador. Como resultado, houve uma quebra (shevirá) — uma separação, fragmentação e desordem entre as partes do sistema. Segundo o Ari (Isaac Luria), no mundo de Nekudim (um estágio da Criação antes da correção final), as sefirot surgiram de forma isolada (iguim igulim) — ou seja, sem interdependência. Isso levou à incapacidade de sustentar a Luz de Chochmah, provocando a quebra dos sete vasos inferiores — de Chesed a Malchut.
Essa quebra produziu centelhas de luz (nitzotzot) que caíram junto com os fragmentos dos vasos para os mundos inferiores: Beriá, Yetzirá e Assiyá — formando a base do que chamamos de mundo do mal, do egoísmo, das klipot (cascas).).
"Por não haver interinclusão entre as sefirot, os vasos não puderam tolerar a abundância da Luz Superior, e por isso se quebraram."— Ari, Etz Chaim, Sha’ar haAkudim
"A Torá foi dada apenas àqueles que são capazes de anularem seu próprio desejo diante do Superior, como Malchut que se anula diante de Biná."— Baal HaSulam, Prefácio ao Livro do Zohar, item 133
2. Os 50 Portões de Biná: A Escada da Correção
A contagem do Omer — os 49 dias entre Pêssach e Shavuot — é, no Sod, a preparação dos vasos através da purificação das sete sefirot inferiores em sete níveis cada, perfazendo 49 correções. O 50º portão, associado a Shavuot, representa aquilo que não pode ser conquistado pelo esforço humano: é a revelação gratuita da Luz superior — chamada It’aruta deLe’Ela, o despertar de Cima.
Segundo o Ari, os 50 Portões de Biná correspondem aos níveis de pureza do desejo. O último portão (Sha’ar haChamishim) está além da capacidade de recepção direta da criatura. No entanto, em Shavuot, ele é aberto temporariamente, como um lampejo de Luz acima da razão, permitindo uma conexão com o Criador acima de qualquer medida de mérito pessoal.
"O Portão 50 é o próprio Sod da Keter, a Coroa que transcende a compreensão. Em Shavuot, o Criador empresta ao homem esse nível para que ele o deseje."— Etz Chaim, Sha’ar 50, Ari
3. A Torá como Luz e não como Texto
No nível de Sod, a Torá não é um conjunto de leis ou histórias, mas a forma da Luz que corrige a criatura. O que foi outorgado em Shavuot não foi um "livro", mas a revelação da Luz da correção — chamada Or Makif (Luz Circundante) — que se torna disponível a quem deseja sair do ego. Por isso, segundo Baal HaSulam, a Torá só "existe" verdadeiramente em quem caminha no caminho da correção espiritual.
"A Torá é o nome do Criador. Aquele que alcança a forma da Torá alcança o próprio Criador."— Baal HaSulam, Introdução ao Livro do Zohar, item 100
Portanto, em Shavuot, o que é revelado é a possibilidade de adesão (devekut) através da Luz que reforma (Or haMakif), desde que o desejo da criatura seja afinado para isso. Sem essa equivalência de forma, a Torá permanece oculta — mesmo que esteja em nossas mãos fisicamente.
4. Shavuot e a Alma Coletiva de Israel
Segundo a Kabbalah, a alma chamada "Israel" representa a parte do desejo de receber que aspira por equivalência com o Criador — isto é, deseja doar. Essa é a raiz espiritual da outorga da Torá: ela não foi dada a indivíduos, mas a uma klal — uma coletividade. A unidade das almas é condição indispensável para a revelação da Torá.
O Zohar descreve que no Monte Sinai, "o povo acampou ali como um só homem com um só coração" — uma condição de Arvut (garantia mútua) que permitiu a revelação da Luz superior. Este é o verdadeiro significado da festividade: não uma memória histórica, mas a renovação espiritual do pacto entre as almas que desejam se unir ao Criador.
5. O Sod de "Matan Torá" — Não um Presente, mas uma Condição
A palavra Matan (dádiva) no nome "Matan Torá" implica em um presente, mas no Sod, esse "presente" só é dado sob condições espirituais muito específicas. O Ari explica que a Torá é dada como um empréstimo espiritual — a criatura a recebe para que se eleve, mas caso não sustente a intenção de doar, a Luz se retira.
Shavuot é, portanto, um ponto de avaliação espiritual: até onde a vasilha deseja se anular? Até onde Malchut deseja ser como Biná? Essa é a verdadeira revelação da Torá — não o conteúdo da letra, mas o Sod do relacionamento entre Criador e criatura.
Conclusão: O Sinai Interior e a Percepção de Keter
Shavuot, no nível de Sod, é a abertura temporária do canal entre Keter e Malchut, mediada por Biná. Nesse momento, o Criador oferece à alma a percepção de Sua vontade. Cabe à criatura aceitar essa Luz através da renúncia de sua própria individualidade separada. A outorga da Torá, portanto, é renovada a cada Shavuot naqueles que desejam ser como o Criador, não por conhecimento, mas por transformação da essência do desejo.
"No dia de Shavuot, é permitido ao inferior tocar o Infinito, pois Malchut se veste de Keter."— Zohar, Behaalotcha, 152a
Fontes Principais:
Zohar, Yitro, Behaalotcha
Baal HaSulam, Introdução ao Livro do Zohar, Prefácio à Sabedoria da Cabalá
Ari, Etz Chaim, Sha’ar Matan Torá, Sha’ar 50
Rabash, Escritos de 1984–1991
Escola de kabbalah Sul do brasil
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