Os Anjos Segundo a Kabbalah Autêntica: Forças Espirituais em Ação

Os Anjos Segundo a Kabbalah Autêntica: Forças Espirituais em Ação

Introdução

Na Kabbalah autêntica, os anjos (malachim) não são entidades com asas nem figuras míticas independentes. Eles representam forças espirituais específicas do sistema da criação, programadas para executar tarefas determinadas pelo Criador. Assim como o vento, a gravidade ou a eletricidade têm funções definidas e previsíveis no mundo físico, os anjos são leis ou vetores de ação espiritual, sem livre-arbítrio, que operam dentro do sistema de correção das almas.

A palavra "malach" (מַלְאָךְ), traduzida como “anjo”, vem da raiz “melachá” (trabalho, função, missão). Portanto, um anjo é uma força com um propósito específico, seja de revelação ou ocultação da Luz.

Natureza dos Anjos: Programas Espirituais

De acordo com Baal HaSulam e o Zohar, tudo o que ocorre na realidade espiritual é movido por quatro elementos fundamentais:

1. Luz (Ohr) – a força do Criador.

2. Desejo (Kli) – a criatura que deseja.

3. Tela (Massach) – a intenção de restringir a recepção e doar.

4. Anjos (Malachim) – as forças que ligam essas partes entre si.

Portanto, os anjos são vetores que transmitem influências espirituais, tanto no nível de ascensão quanto no de queda.

“Não pense que os anjos são criaturas aladas, pois eles são apenas forças, como leis naturais no mundo espiritual.”– Baal HaSulam, Introdução ao Livro do Zohar

Classificação Cabalística dos Anjos

A tradição mística judaica (com raízes no Zohar e no Sefer Yetzirah) organiza os anjos em diferentes categorias, refletindo estados interiores da alma em seu trabalho espiritual:

1. Anjos de Doação (como Michael) – Representam forças de bondade, superação do ego, aproximação à Luz.

2. Anjos de Julgamento (como Gabriel) – Representam resistências, obstáculos, força de restrição.

3. Anjos Acusadores (como Samael) – Forças que despertam a percepção da carência interior, criando necessidade de correção.

4. Anjos Interiores – Estados que surgem dentro da própria alma conforme ela avança.

Cada um desses anjos é criado por um desejo com uma intenção específica. Eles não existem fora da alma. São expressões internas, operando em nosso sistema de percepção da realidade.

Exemplo Prático 1 – Quando Surge um Desejo Espiritual

Imagine que você sente uma súbita vontade de se aproximar do Criador — não por recompensa, mas por desejo puro de conexão. Essa força que surgiu em você é chamada, na linguagem da Kabbalah, de anjo Michael.

Esse "anjo" é uma força despertada em seu sistema espiritual, que agora começa a trabalhar dentro de você: ele empurra você ao estudo, ao grupo, à reflexão. Ele não tem vontade própria, mas executa a ordem espiritual que o originou.

Exemplo Prático 2 – Um Obstáculo Inesperado

Você se compromete a estudar todos os dias, mas algo o impede: desânimo, distração, problemas familiares. De onde vem essa força?

A Kabbalah ensina que essa resistência pode ser representada pelo anjo Gabriel — não como castigo, mas como força de restrição necessária. Ele trabalha para fortalecer sua tela interior (Massach), forçando você a escolher entre o desejo egoísta e o caminho da superação.

Neste sentido, até os anjos "oponentes" são servos do Criador, porque revelam a falta de equivalência com Ele e, assim, impulsionam a alma à correção.

Criação de Anjos Pela Alma

Uma das ideias mais profundas da Kabbalah é que cada ação espiritual cria um anjo. Isso quer dizer que nossas intenções — boas ou más — geram forças que continuam agindo no sistema.

“Toda ação com intenção cria um anjo que serve como testemunha e influência no mundo.”– Rabash, Amor dos Amigos

Assim, quando você faz um esforço para se anular diante do grupo, superar o ego ou doar sem esperar retorno, está criando um “anjo de doação” que se incorpora ao sistema geral das almas. Esse anjo, por sua vez, poderá influenciar outros, como uma onda espiritual.

Incorporação dos Anjos nas Sefirot

Cada anjo opera segundo uma sefirá específica. Por exemplo:

• Michael – Chesed (amor e doação).

• Gabriel – Gevurah (rigor, restrição).

• Raphael – Tiferet (equilíbrio, cura).

• Uriel – Hod (glória, submissão iluminada).

• Samael – Lado esquerdo de Gevurah, severidade sem equilíbrio.

Essa estrutura não é literal. Ela representa qualidades interiores da alma, que podem se manifestar em diferentes momentos da jornada espiritual. Quando a alma passa por Chesed, ela “está com Michael”; quando passa por julgamento, “está com Gabriel” — não fora de si, mas como estado interno.

Anjos como "Mensageiros" do Sistema

Na Kabbalah contemporânea, especialmente no ensino de Michael Laitman, os anjos são também comparados a códigos de força no sistema de Adam HaRishon (a alma coletiva). Como em um sistema de software espiritual, cada anjo transmite ordens entre as partes da alma coletiva, organizando o fluxo de Luz.

Conclusão

Os anjos, na Kabbalah autêntica, não são entidades externas ou supersticiosas, mas forças espirituais operando em nosso sistema interior, como parte da linguagem simbólica que descreve a interação entre o Criador e a criatura.

Cada anjo é:

• Uma força com propósito definido.

• Um resultado da intenção.

• Um mensageiro do sistema espiritual.

• Uma parte da alma coletiva em movimento.

Compreender os anjos é compreender as leis do desenvolvimento espiritual, e aprender a trabalhar com elas conscientemente é parte essencial do caminho cabalístico.

Sônia Scheuerlein Marques

Referências

• Baal HaSulam, Prefácio ao Livro do Zohar, Introdução à Sabedoria da Kabbalah.

• Rabash, Artigos sobre o Grupo, O que é um Anjo na Obra Espiritual.

• Zohar, Sefer Bereshit, parashá VaYetze, explicações sobre Malachim.

• Sefer Yetzirah, capítulo 1 – sobre os “vetores da criação”.

• Michael Laitman, Percepção da Realidade Espiritual, A Linguagem dos Ramos.sencial do caminho cabalístico.